Os brasões municipais, de natureza heráldica, figuram entre as mais expressivas representações gráficas da identidade territorial dos municípios. Já as bandeiras municipais, erroneamente associadas à heráldica por muitos, pertencem ao campo da vexilologia. Ambas possuem estrutura visual própria — forma, campo, regiões, esmaltes, componentes e funções específicas — configurando símbolos distintos, porém complementares. Apesar das diferenças, compartilham uma finalidade comum: representar e individualizar o território municipal, razão pela qual são denominadas “municipais”. A representatividade pode ocorrer isoladamente, por meio do brasão, da bandeira ou de forma conjunta, quando ele é inserido na bandeira. Embora nem todas as bandeiras adotem essa composição conjunta, tal prática é amplamente difundida no Brasil, reforçando a identidade visual dos municípios pela fusão entre heráldica e vexilologia.

"HERÁLDICA DE DOMÍNIO MUNICIPAL CEARENSE: ESTUDO INTERDISCIPLINAR SOBRE OS BRASÕES DOS MUNICÍPIOS DO VALE DO JAGUARIBE E LITORAL LESTE" surge como um marco transformador nos estudos sobre heráldica municipal no Brasil. Ela consolida conceitos já estabelecidos, promove a atualização de outros e introduz ideias ainda pouco exploradas no campo da heráldica municipal. Elementos como a coroa mural, o listel, apoios e o fortalecimento do papel central do escudo ganham destaque, apresentando grafias inovadoras e repletas de significado. Além disso, a tese aborda temas inéditos, como os métodos LOCPARCAM e as letras sobrescritas, dando ênfase ao mais novo conceito, a "região heráldica", que visa aprimorar a leitura e a compreensão heráldica. Como subproduto, também apresenta propostas de revitalização dos municípios de Russas e Limoeiro do Norte, ambos localizados no Estado do Ceará.

Vale destacar que esta é a primeira tese no Brasil na qual o estudo sobre Brasão Municipal e Heráldica de Domínio serviu como consultoria direta para um aluno de doutorado, evidenciando seu caráter pioneiro e inovador. Este trabalho interdisciplinar não apenas enriquece os estudos heráldicos, mas também reforça seu papel como uma ponte entre diversos saberes. Esse marco no campo da heráldica municipal só se tornou realidade graças à colaboração fundamental do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da UECE, sob a orientação do Professor Doutor Expedito Ximenes. Igualmente indispensável foi a contribuição do autor da tese, o senhor Bruno Bezerra, cuja visão, dedicação e expertise tornaram essa obra pioneira e inovadora possível. Sem a junção desses esforços, o impacto transformador desse trabalho interdisciplinar na heráldica municipal brasileira não seria concebível. Assim, tanto a orientação acadêmica quanto o talento do autor com a consultoria prestada por nós foram cruciais para trazer à luz este avanço significativo.

No último dia 15 de abril, tive o privilégio e a enorme alegria de ser convidado pelo Prof. Dr. Expedito Ximenes para participar da sala virtual da banca de defesa da tese HERÁLDICA DE DOMÍNIO MUNICIPAL CEARENSE: ESTUDO INTERDISCIPLINAR SOBRE OS BRASÕES DOS MUNICÍPIOS DO VALE DO JAGUARIBE E LITORAL LESTE de Bruno Bezerra, agora oficialmente nosso mais novo doutor. Foi uma honra vivenciar esse momento enriquecedor ao lado de professores altamente respeitados e competentes: Prof. Dr. Expedito Eloísio Ximenes, Profa. Dra. Claudiana Nogueira de Alencar, Prof. Dr. Alexandre Melo de Sousa, Profa. Dra. Alícia Duhá Lose e Prof. Dr. Wilson Júnior de Araújo Carvalho. Como não poderia ser diferente, o evento contou ainda com a presença especial dos pais de Bruno e de muitos amigos queridos, o que tornou tudo ainda mais emocionante. Foi, sem dúvida, um momento de grande aprendizado e inspiração.

Nossa plataforma é dedicada ao estudo e à divulgação da heráldica municipal brasileira. Reunimos informações detalhadas sobre os brasões de municípios de todo o Brasil, explorando seus elementos principais, como escudos, coroas murais, listéis e apoios. Além disso, o site aborda aspectos históricos, culturais e geográficos que influenciam a composição dos brasões. O projeto é fruto de quase duas décadas de pesquisa e trabalho, liderado por Santiago Andrade, e busca promover o conhecimento sobre a heráldica de domínio no Brasil. O site também oferece recursos como publicações, vídeos explicativos em nosso canal no YouTube e parcerias internacionais com instituições de heráldica de outros países.

A Heráldica, com seus saberes e produtos, especialmente o brasão municipal, tem sido injustamente relegada, seja de forma consciente ou inconsciente, e, em muitos casos, até de maneira desrespeitosa, a planos secundários ou terciários. Essa negligência, promovida por aqueles que deveriam ser seus principais defensores — líderes comunitários, autoridades, cidadãos e, pasmem, até instituições — enfraquece a valorização de um dos mais representativos símbolos de uma comunidade. O brasão municipal, que em suas raízes sintetiza a história, a memória, a cultura material e religiosa, a geografia, a política, a antropologia e outros saberes, como a onomástica — ou, de forma mais precisa, a toponímia municipal em todas as suas dimensões —, destaca-se como o maior símbolo territorial, político e cívico-cidadão. Este símbolo não deve, em hipótese alguma, ser confundido com uma logo, marca ou logomarca. Embora esses elementos tenham sua relevância em outros contextos, o brasão de armas, com suas variadas denominações, como pedras d’armas e cotas d’armas, carrega profundidade histórica e simbólica inestimáveis, sendo um símbolo que jamais pode ser reduzido a uma simples marca. Esse emblema poderoso traduz os valores, crenças, conquistas e ideias que constituem a essência do seu povo. Resgatar sua relevância e colocá-lo no lugar que lhe cabe — o patamar primário, jamais inferior — é indispensável para reafirmá-lo como um testemunho vivo, atual e contemporâneo da identidade e cultura de uma comunidade. Este compromisso ganha ainda mais urgência ao reconhecermos que o brasão sintetiza os três pilares fundamentais para a existência legal de uma nação, um povo, um país, um estado ou um município: território, povo e governo. Brasileiros, governos em suas diversas esferas e instituições, especialmente as de ensino, devem assumir seus lugares no protagonismo dessa batalha que está apenas começando. Convocamos a academia e seus pares a liderarem esse movimento de valorização da heráldica, reafirmando seu papel indispensável na preservação e defesa de nossa história e identidade.

Os brasões municipais são símbolos que carregam em si uma narrativa visual sobre a identidade, história, memória e singularidade de cada município. Cabe ressaltar, há casos em que os elementos heráldicos presentes no brasão não se ligam de forma clara ao que Ferdinand Saussere, o pai da filologia, chamou de signo toponímico, o topônimo municipal — ou seja, ao nome da cidade que ele representa. Essa desconexão pode resultar em um hiato entre o simbolismo heráldico e a essência que o nome carrega, enfraquecendo a representatividade histórica e cultural. Refletir sobre esse aspecto é um convite que faço para reconsiderar como os brasões podem melhor traduzir a origem, os valores e as características do município, para que cada detalhe de forma preciosa seja uma extensão simbólica do nome e das histórias por trás dele. Afinal, o brasão deve ser mais do que uma composição estética; deve ser uma manifestação fiel da identidade local, evocando não só o orgulho, mas também a curiosidade e o pertencimento dos seus habitantes, naturais ou visitantes. A pergunta que deixamos é: como podemos harmonizar esses elementos para representar e celebrar, de forma autêntica e plena, a riqueza de cada município?

Bordo Ameado: a arquitetura da Identidade Municipal Brasileira

Na heráldica de domínio municipal brasileira, cada traço de um brasão carrega significados profundos. Entre os elementos mais simbólicos está o bordo superior ameado do escudo — uma linha que simula as ameias de muralhas medievais, evocando fortaleza, resistência e autonomia.

Esse detalhe visual, presente em diversos brasões de municípios brasileiros, não é apenas decorativo. Ele representa a organização político-administrativa da cidade, sua capacidade de se proteger e se afirmar como território soberano. É uma metáfora visual da cidade como fortaleza cívica, onde o povo, o governo e o território se entrelaçam.

Herança Heráldica e Adaptação Brasileira

Inspirado na tradição europeia, especialmente ibérica, o bordo ameado foi incorporado à heráldica brasileira como símbolo de urbanidade e autoridade municipal. Em muitos casos, ele aparece em conjunto com a coroa mural, reforçando a ideia de cidade-sede e sede de governo local.

A plataforma Brasão Municipal, referência nacional em estudos heráldicos, destaca que o escudo é o elemento central do brasão — jamais subordinado a outros componentes. Quando o bordo superior é ameado, ele reforça a narrativa de que o município é mais que um espaço geográfico: é um organismo político e cultural com raízes profundas.

Municípios com Bordo Ameado

Diversos municípios adotam essa configuração, como Alto Paraíso/RO, Trindade/PE, Sacramento/MG, Boa Vista do Cadeado/RS, entre outros. A escolha por esse estilo não é aleatória: ela comunica valores como defesa da identidade local, memória histórica e orgulho cívico.

Muito Além da Estética

A heráldica municipal é uma ciência interdisciplinar que une história, geografia, sociologia, botânica, antropologia e até paleontologia. O bordo ameado, nesse contexto, é um convite à reflexão sobre como os símbolos visuais podem traduzir a essência de um povo e seu território.

A Heráldica de Domínio Municipal, com sua abordagem interdisciplinar, se destaca como uma rica síntese de saberes que transcendem o estudo tradicional de brasões. Ao integrar áreas como Biologia e Botânica para a representação da fauna e flora locais, além de Cartografia, Climatologia e Geologia para retratar as características geográficas e climáticas específicas, esta ciência cria um elo profundo com o território que representa. Ademais, a História e Sociologia agregam camadas que capturam os aspectos civil e militar, bem como as dinâmicas culturais, religiosas e políticas que moldam a identidade municipal. Elementos como Onomástica trazem vida às nomenclaturas locais, enquanto disciplinas como Paleontologia e Pedologia fornecem nuances históricas e geológicas únicas. Essa abordagem multidimensional permite que cada brasão seja um símbolo singular de riqueza histórica, natural e cultural, refletindo a essência dos municípios brasileiros e a interconexão dos diversos campos que formam essa ciência. Cada detalhe é um convite para explorar e valorizar a diversidade e a identidade regional que compõem o tecido do Brasil.